we are the robots
Caetano Veloso, Bob Dylan e a Inteligência Artificial
1. caetan.i.a.
de “sozinho” a “um tapinha não dói” e “come as you are”, Caetano Veloso não perde a chance de caetanear em sua voz canções das mais diversas, imprimindo a elas sua interpretação de soft brazilian singer. só que agora ele não está sozinho (rs) nessa: a cada dia ficam mais populares as ferramentas de A.I. (Inteligência Artificial) capazes de realizar nossos sonhos de ouvir, por exemplo, Elis Regina cantando Living Colour, ou Ratos de Porão em versão forró (a A.I. não julga os sonhos, só os realiza).
muito além de uma brincadeira, essas tecnologias devem mudar a forma como ouvimos - e fazemos - música. já pensou poder entrar no streaming e decidir quem vai cantar a música que você quer ouvir? ou ainda: encomendar, de bate-pronto, aquela parceria entre Djavan e Rage against the machine que (só) você sempre achou que devia existir? o potencial e as consequências disso são imensos e difíceis de prever. e o desgosto de muitos criadores quanto ao uso indiscriminado das A.I.s, previsível (e até compreensível).
um ponto: a A.I. não é o Caetano Veloso. isso parece óbvio mas, quando a gente vê num vídeo, ou ouve num áudio, uma pessoa conhecida, ou até a gente mesma, cantando ou falando coisas que nunca disse, fica bem mais difícil lembrar, ou discernir de cara o que é real ou não (valei-nos, Sagrada Dúvida!).
talvez menos óbvio: a A.I. não canta como Caetano; ela canta - a partir dos dados de que dispõe, e dos comandos de quem manipula a ferramenta - como entende que Caetano cante. ou ainda: como imaginam que o resultado vai ser percebido por quem escuta como sendo o jeito com que Caetano cantaria. só que o jeito do Caetano costuma ser cantar, do jeito dele, sempre de um jeito um pouco diferente. ou não?
2. we aaare the robooots
em 1985 não existia essa tecnologia, e dezenas de artistas dos EUA se reuniram para gravar a canção-manifesto “we are the world”. um dos participantes mais aguardados era Bob Dylan, não por sua bela voz, mas pela legitimidade política que sua presença conferia ao projeto. só que, na hora de cantar sua parte, Dylan não sabia como fazê-lo - ele não sabia como Bob Dylan cantaria aquela música, tão mais melódica que as suas.
foi preciso que Stevie Wonder sentasse ao piano e, numa imitação, mostrasse a Dylan como Dylan cantaria “we are the world”. Bob não se fez de rogado, e seguiu à risca as indicações de Stevie Wonder. ou seja: quando a gente hoje escuta “we are the world”, ouve Bob Dylan cantar sua emulação de como Stevie Wonder imaginou que seria o jeito de Bob Dylan cantar. de quem é essa voz, afinal?
se fossem gravar “we are the world” hoje em dia, será que Quincy Jones ia usar uma A.I. pra ensinar a Dylan seu próprio jeito de cantar? será que Michael Jackson e Lionel Richie teriam consultado o ChatGPT sobre suas dúvidas quanto à letra, poupando horas de discussão entre 50 artistas numa sala? mas aí (ops) talvez nem precissasse o Dylan ter ido à gravação. nem nenhum outro artista. quem sabe assim o Prince, já chamado de [symbol], enviasse seu avatar. check your prompt at the door. a sala de gravação ia ficar bem mais tranquila (e sem graça?).
we are the robots. faz tempo que o Kraftwerk já cantou essa bola. como será que ficaria o Kraftwerk cantando “we are the world”? hum, acho que vou ali descobrir.



Vou pedir pra IA fazer o Jesus and mary chain cantar Era Nova